sábado, 8 de maio de 2010

‘Lei ambiental é injusta’, diz representante do pequeno agricultor

NOTÍCIAS: 08/05/2010 - Em entrevista ao Congresso em Foco, coordenador da Frente da Agricultura Familiar, Anselmo de Jesus, diz que Código Florestal não pode tratar pequenos produtores da Amazônia de forma diferente da que vale para os de São Paulo.

Luiz Xavier/CâmaraCoordenador da Frente Parlamentar da Agricultura Familiar, Anselmo de Jesus (PT-RO), é um dos parlamentares que, junto com o relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e representantes da bancada ruralista, trabalha na elaboração do parecer que irá propor modificações profundas na legislação ambiental. No debate em torno das mudanças no Código Florestal, o representante dos pequenos agricultores exerce um papel importante.

O parlamentar é quem leva à mesa de negociações no Congresso a visão do grupo que representa 90% do total de produtores rurais do país, responsáveis por mais de 70% dos alimentos consumidos internamento no Brasil, embora ocupem apenas 23% das áreas agrícolas no território nacional. Na discussão sobre o Código Florestal, apesar das diferenças nos modelos de agricultura familiar e a agricultura patronal, Anselmo de Jesus tem se aproximado da visão dos grandes empresários rurais.

Ele defende, por exemplo, a mesma visão de “desmatamento zero” dos ruralistas, em que as áreas desmatadas para agricultura e pecuária fora dos limites da lei devem permanecer como estão, sem que se precise reflorestar, e, em troca, os agricultores fariam um pacto para não desmatar mais nenhum hectare por um prazo determinado. Ambientalistas são contrários a essa ideia, pois acreditam que seja necessário recompor com vegetação apropriada todas as áreas desmatadas ilegalmente.

“Estou levando o nome de ruralista, estou levando o nome de destruidor do futuro. Mas hoje me considero mais ambientalista do que eu já era. Metade dos assentamentos de Rondônia eu ajudei a fazer. Peguei na cartucheira para enfrentar fazendeiro, pistoleiro. Não tem nada que me ataque, não tem nada nem ninguém que me convença, porque eu vou lutar para isso até conseguir. Eu tenho que defender nossos agricultores”, disse Anselmo se referindo à necessidade de alterar as regras da legislação ambiental.

Entre outras mudanças, Anselmo defende também o fim da reserva legal – áreas a serem obrigatoriamente protegidas dentro de uma terra particular – nas pequenas propriedades. “Até hoje eu não vi um economista que me diga qual é a empresa que funciona com apenas 20% da sua capacidade de produção. Nós, agricultores familiares da Amazônia, estamos pagando 80% do meio ambiente da nossa propriedade”.

Leia abaixo a entrevista de Anselmo de Jesus, em que o coordenador da agricultura familiar no Congresso mostra que o impasse em torno da legislação ambiental vai além da disputa entre ambientalistas e ruralistas. “O Acre preserva, enquanto São Paulo desmatou tudo. E o que eles pagam para o Acre? (...) Nós não vamos admitir mais o povo da cidade querer sobreviver nas costas do povo da roça, e não vamos admitir que São Paulo, que acaba com tudo, queira que o Acre preserve tudo”, afirmou.

Congresso em Foco - Por que para o pequeno agricultor é preciso modificar a legislação ambiental vigente?

Anselmo de Jesus - Uma das coisas, por exemplo, é que boa parte dos pequenos agricultores que foram para Rondônia chegou lá sob uma legislação que permitia desmatar 50%. E, na época do presidente Fernando Henrique Cardoso, através de uma medida provisória que até hoje não foi votada no Congresso, ele fez com que a gente só pudesse desmatar 20%. Até hoje eu não vi um economista que me diga qual é a empresa que funciona com apenas 20% da sua capacidade de produção. Nós, agricultores familiares da Amazônia, estamos pagando 80% do meio ambiente da nossa propriedade. Pergunto: e fora da Amazônia, quanto estão pagando? E na cidade, quanto estão pagando? E em São Paulo, quanto estão pagando? O Acre preserva, enquanto São Paulo desmatou tudo. E o que eles pagam para o Acre? Essa é uma situação de injustiça que a lei coloca hoje.

Dentro da atual legislação, sem modificá-la, não seria possível buscar alternativas?

Partindo do princípio da ilusão de plano de manejo, por exemplo: primeiro, hoje um plano de manejo é para aquele que tem dinheiro. Você leva cinco anos para fazer esse plano em uma propriedade. O governo não tem a mínima estrutura para dar condições de você fazer um plano de manejo. Você vai numa secretaria de Meio Ambiente do estado, não avança. Vai ao Ibama, pior ainda. Tendo o dinheiro, você leva cinco anos para fazer um plano de manejo. E o plano numa propriedade pequena, ele é inviável totalmente. Até porque hoje se você vai manejar madeira de um hectare, você tira em torno de R$ 400 a R$ 500 por ano. Depois, você volta daí a 35 anos a tirar os mesmo R$ 500 naquele hectare. Hoje, se fala nos chamados consórcios agroflorestais, que eles também têm todo um período e você tem que ter outras fontes para poder implantar isso. Eu visitei um monte de propriedade para ver se achava uma propriedade modelo como uma alternativa. Essas propriedades, praticamente 99% das que se apresentam, são aquelas em que o cara trabalha numa prefeitura, sobrevive do salário da prefeitura e investe na propriedade modelo. Com dez anos, ele está com um modelo que dali pra frente ele vai sobreviver. Mas quem financia ele por dez anos? Se você vai nesse modelo tradicional, que vem dos meus avós, dos meus bisavós, você vai sobrevivendo. Agora, quando você se propõe a coisas alternativas, você tem que ter tecnologia e assistência técnica. Você, para criar qualquer alternativa, primeiro precisa de tecnologia, acompanhado de assistência técnica. Isso não existe hoje.

O senhor falou que “os agricultores familiares da Amazônia estão pagando 80% do meio ambiente de suas propriedades”. O que isso quer dizer?

Meu filho fez Agronomia e me disse um dia: “Pai, eu não vou para o serviço público”. Então, ele trabalhou três anos na minha propriedade e concluiu: “Pai, o senhor não fez uma faculdade, igual eu fiz. Eu sou agrônomo, mas eu fiz Matemática, também. Não tem empresa que sobreviva com 20% de sua capacidade”. No caso, eu fiz meu primeiro grau depois de velho. Ele disse que iria caçar o que ele gosta de fazer, mas que, para ficar na propriedade, não tem a mínima chance. Hoje ele é agrônomo ambientalista, daqueles que não usam veneno em parte nenhuma, mas não ficou na propriedade. Essa lei hoje está fazendo a agricultura envelhecer. Os jovens não ficam. Estou falando de uma vivência minha. Esse é um dos grandes problemas que acho que tem que alterar, até porque se essa lei fosse feita para ser cumprida, nós não teríamos hoje 95% da agricultura familiar descumprindo a lei. Se você pega o papel de um agricultor familiar, ele tem um papel muito grande na agricultura. Se pegar até quatro módulos fiscais, nós atingimos 90% dos proprietários, mas vamos alcançar apenas 23% da área de terra rural. Então, se a agricultura familiar desmatou 100%, ela desmatou apenas 23%. Estou levando o nome de ruralista, estou levando o nome de destruidor do futuro. Hoje, me considero mais ambientalista do que eu já era. Metade dos assentamentos de Rondônia eu ajudei a fazer. Peguei na cartucheira para enfrentar fazendeiro, pistoleiro. Não tem nada que me ataque, não tem nada nem ninguém que me convença, porque eu vou lutar para isso até conseguir. Eu tenho que defender nossos agricultores. 

Não seria então possível recuperar essa área desmatada, conforme previsto hoje na legislação?

Hoje, a lei não te dá outra condição a não ser recuperar o que você desmatou a mais. Nós contratamos um estudo de um pesquisador da Ulbra [Universidade Luterana do Brasil], para ver o custo de você repor uma floresta em um hectare – um alqueire de terra, que é o linguajar mais da agricultura familiar. Isso custa R$ 15,5 mil. A terra nobre que eu tenho, que fica a 15 km de Ji-Paraná, que é a segunda maior cidade do meu estado, ela custa R$ 10 mil. Se eu andar mais 10 km para frente na mesma linha, eu compro terra a R$ 5 mil. Então ao invés de eu plantar árvore aqui, num alqueire que custa R$ 15 mil, eu compro três alqueires lá e faço essa compensação. Só que eu fico pensando, lá onde eu vou comprar essa terra, é de um amigo meu, o Cícero. A filha dele, que é acostumada a viver na roça, o filho dele, que é acostumado a viver na roça, o que vai acontecer com eles? Ele quer vender por causa dessa restrição. Aí, ele virá cá para a cidade, engrossar as fileiras da prostituição, da droga. O grande agricultor, por exemplo, não vai plantar nenhum pé de árvore. Ele vai simplesmente fazer essa compensação comprando dos pequenos agricultores.

O Programa Mais Ambiente do governo federal, para regularizar ambientalmente pequenas propriedades, não seria uma solução razoável?

Disseram que estava com R$ 120 milhões para o Mais Ambiente. Eles estão querendo fazer uma coisa que não existe. Falam em licenciamento ambiental e eles, Ministério do Meio Ambiente, IBAMA e secretarias, não fazem, não têm estrutura para fazer isso. R$ 120 milhões para esse programa é brincadeira! É o mesmo que dar um picolé só para uma criança chupar durante um ano inteiro. Eu fui o criador do programa ProAmbiente. Era um modelo de agricultura para a Amazônia, que eu tenho certeza que nós resolvíamos como proposta alternativa de agricultura para a Amazônia. Mas esse programa morreu, porque o Ministério do Meio Ambiente não garantiu assistência técnica. Nós queremos que o governo passe a cumprir o seu papel.

Em que direção seguirá o relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) sobre as mudanças no Código Florestal?

Tudo aponta que vamos adotar a proposta do desmatamento zero. Nós devemos propor desmatamento zero para os próximos dez anos. Nós não vamos admitir mais o povo da cidade querer sobreviver nas costas do povo da roça, e não vamos admitir que São Paulo, que acaba com tudo, queira que o Acre preserve tudo.

Congresso em Foco / Renata Camargo