POLÍTICA: 16/05/2010 - O Jornal Valor Econômico publicou coluna do sociólogo Alberto Carlos
Almeida que faz um panorama das eleições de outrobro. Na coluna, o autor
destaca o favoritismo do ex-prefeito da Capital, Ricado Coutinho (PSB)
na disputa pela cadeira principal do Palácio da Redenção.
O Nordeste na conta eleitoral
Todo período pré-eleitoral é repleto de cálculos e contas acerca de
vantagens e desvantagens dos principais candidatos aos cargos
majoritários. Quando se trata de disputas estaduais, há sempre aquelas
continhas que separam a capital da região metropolitana e estas duas do
interior. É comum que o candidato do interior tenha um cálculo eleitoral
no qual abra enorme vantagem sobre, por exemplo, um ex-prefeito de
capital, justamente no interior. Vantagem que seria suficiente para que
ele derrotasse o ex-prefeito e seu franco favoritismo na região em que
governou.
Nada é mais comum do que um cálculo dessa natureza. Por exemplo, é
justamente ele que permite afirmar o favoritismo do ex-prefeito Ricardo
Coutinho para o governo da Paraíba. Ricardo foi eleito duas vezes
prefeito de João Pessoa; na última, em 2008, venceu já no primeiro
turno. Ele se aliou a Cássio Cunha Lima, candidato ao senado, que além
de ex-governador foi também prefeito de Campina Grande, o segundo maior
colégio eleitoral do Estado. Por fim, faz parte da chapa para o senado o
atual senador Efraim Morais, do DEM, que é forte no sertão da Paraíba.
Contemplam-se, assim, todas as áreas do Estado, já que a capital
representa a Grande João Pessoa e a Zona da Mata e Campina Grande está
no coração do agreste. De posse dessa aliança política são feitos
cálculos para demonstrar qual é a vantagem em pontos porcentuais que
será possível obter na capital, em Campina Grande e no sertão. Feitas as
contas, mostra-se como é possível derrotar o adversário, o velho e
combalido cacique político José Maranhão.
O mesmo que vale para os Estados vale para o país. É comum que várias
contas sejam publicadas em colunas de jornais para mostrar a enorme
importância eleitoral de Minas e de Aécio Neves na corrida de 2010.
Tomando-se os resultados eleitorais de 2006 como parâmetro, afirma-se
que José Serra derrotará Dilma Rousseff na Região Sul, vencerá com folga
em São Paulo, obviamente, tenderá a ser derrotado pela candidata do
governo no Rio e, com o empenho de Aécio, abrirá uma larga dianteira em
Minas.
Espera-se que na Região Nordeste a vitória de Dilma sobre Serra seja
por uma margem confortável, ao passo que as Regiões Norte e Centro-Oeste
somadas poderiam dar uma pequena margem a favor de um ou de outro
candidato. Apenas para ter em mente alguns números importantes, o Sul
tem aproximadamente 15% do eleitorado; o Nordeste, algo em torno de 27%;
Norte e Centro-Oeste juntos têm os mesmos 15% da Região Sul; e o
Sudeste tem 43%.
Um parêntese importante que diz respeito ao perde e ganha regional
tem a ver com o que aconteceu em 2006 com Geraldo Alckmin. O
ex-governador de São Paulo abriu sobre Luiz Inácio Lula da Silva no
Sudeste inteiro uma vantagem de exatos 819.614 votos. Essa vantagem foi
mais do que anulada por apenas um Estado, o Amazonas, onde Lula derrotou
Alckmin por 899.871 votos.
Naquela eleição o comparecimento foi de quase 96 milhões de
eleitores. O Amazonas entrou nessa conta com pouco mais de 1 milhão e
300 mil votantes. A vantagem obtida em uma região com 43% dos votos
nacionais foi completamente anulada por um Estado com 1,4% desses mesmos
votos.
O motivo que levou Lula a abrir uma margem tão grande no Amazonas
nada tem a ver com a constelação de apoios políticos naquela região, mas
sim com a atitude crítica do candidato do PSDB em relação à zona franca
de Manaus. Com ou sem razão a população local considera que a região
depende muito economicamente da zona franca, assim, qualquer ameaça à
sua existência é uma ameaça direta ao bem-estar da população. Pode ser
que em 2010 seja diferente. Em 2006, porém, no Amazonas, ser contra a
zona franca foi sinônimo de cavar o próprio túmulo eleitoral.
Em todos os países do mundo desenvolvido há uma segmentação regional
do voto para presidente ou primeiro-ministro. Nos Estados Unidos, as
duas costas, Leste e Oeste, votam mais no Partido Democrata e o meio do
país vota mais no Republicano. Toda eleição é assim. Da mesma forma,
quando se coloca uma lupa nos mapas eleitorais dos Estados americanos se
vê que as áreas mais pobres votam nos democratas e as áreas menos
pobres, nos republicanos.
Na Grã-Bretanha, que acabou de escolher um novo Parlamento, isso
também é a regra. Os trabalhistas vencem no norte da Inglaterra, em
Londres e na Escócia e os conservadores são predominantes no sudeste do
país. Há sempre variações, mas a força relativa permanece. A vitória
trabalhista na região de Liverpool pode ser maior ou menor, mas tenderá a
acontecer. Pode haver uma eleição completamente excepcional na qual os
trabalhistas percam em todas as regiões do país. Mesmo nesse caso, na
região de Liverpool, na Escócia ou em Londres essa derrota seria por uma
margem menor, o que mantém o argumento acima da força relativa
regionalizada.
A eleição de 2006 consagrou um novo e, no meu entender, permanente
padrão de votação no Brasil. Onde a sociedade é maior do que o Estado,
Região Sul, São Paulo e toda a Região Centro-Oeste - com exceção da
capital federal (é claro) - venceu o candidato tucano. Onde o Estado é
maior do que a sociedade Lula derrotou Alckmin: Norte, Nordeste, Rio e
Minas. De todas as vantagens regionais entre os dois principais
candidatos, a maior foi verificada exatamente no Nordeste: Lula teve
66,8% dos votos válidos e Alckmin, 26,1%. Em números absolutos isso
significou pouco mais de dez milhões de votos em um total de quase 28
milhões de nordestinos que foram às urnas.
Os quatro anos que separaram 2006 de 2002 só fizeram aumentar a força
de Lula no Nordeste. Em 2002 ele obteve 45,9% de votos válidos, o que
significou pouco mais de 9 milhões de votos em um total de 20.424.847.
Entre as duas eleições Lula adicionou mais de 7 milhões de votos e quase
21 pontos porcentuais. A grande questão é o que isso significa para
2010.
Em primeiro lugar, não custa chamar a atenção para o óbvio: votar em
Lula não é a mesma coisa que votar em Dilma. Isso é uma regra eleitoral:
o sucessor indicado sempre recebe menos votos do que quando o próprio
ocupante do cargo se candidata. Se Lula fosse hoje candidato,
provavelmente teria mais votos em 2010 do que teve em 2006.
É possível fazer essa afirmação por causa de uma razão específica. Em
setembro de 2006, ou seja, às vésperas da eleição, o governo Lula no
Nordeste tinha uma avaliação de 60% na soma de ótimo e bom. Sublinho o
fato de essa avaliação referir-se a setembro daquele ano. A avaliação de
Lula veio melhorando no decorrer de 2006, o ponto mais elevado foi
atingido justamente próximo à eleição. Em maio de 2006 ela era menor,
mesmo no Nordeste, do que em setembro. Atualmente, isto é, em maio de
2010, a soma de ótimo e bom de Lula no Nordeste atinge a marca de 90%.
Na edição do Valor do dia 5, com chamada de primeira página, havia
uma reportagem mostrando que o crédito pessoal tinha tido uma expansão
recorde naquela região, a maior expansão entre todas as regiões do
Brasil. É bem possível que qualquer indicador econômico comparativo
mostre que o Nordeste se sai melhor que todas as demais áreas.
Além disso, dados de pesquisas qualitativas e quantitativas mostram
que o eleitor nordestino acha que Lula é do Nordeste. O fato de a
carreira política de Lula ser de São Paulo é algo inexistente para os
nordestinos. Isso é consequência de outro fenômeno: a percepção local de
que nunca ninguém, na história recente do Brasil, tinha feito alguma
coisa pelo Nordeste. Lula é apontado como o primeiro que se preocupou
especificamente com o povo da região. Essa percepção já estava presente
em 2006 e foi fortalecida nos últimos quatro anos.
No Nordeste, Lula ficou 5.331.457 votos na frente de Serra em 2002.
Em 2006 a vantagem do petista sobre Alckmin foi de exatos 10.121.795. O
comparecimento de 2010 foi aproximadamente três milhões de votos maior
do que em 2006. Agora passo a bola para o leitor. Supondo-se quem em
2010 o comparecimento seja de 30 milhões de eleitores nordestinos e
considerando-se a atual avaliação de Lula, o fortalecimento de sua
imagem na região e o fato de o sucessor indicado sempre ter menos votos
do que quando o próprio governante disputa, levando-se em conta tudo
isso, qual tenderá a ser a vantagem de Dilma nos votos totais na região?
Se quiserem, mandem as respostas para meu e-mail.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor
de "A Cabeça do Brasileiro" (Record).
Jornal Valor Econômico