domingo, 17 de janeiro de 2010

Imagem rara de santa grávida é recuperada em São Paulo

FÉ: 17/01/2010 - Parece notícia de tabloide: santa grávida de barro é encontrada com o rosto intacto sob os escombros de capela. Mas o caso aconteceu em São Luiz do Paraitinga (182 km de São Paulo.

Uma imagem de barro de Nossa Senhora das Mercês, cujo ventre proeminente sugere gravidez, foi encontrada com a face intacta sob os escombros da capela homônima, destruída pelo temporal que devastou a cidade.

A parte inferior da imagem, inclusive a barriga, esfacelou-se, mas deve ser restaurada. A santa tem mais de 200 anos, foi levada para a cidade por uma mineira de Caetés em 1809, cinco anos antes da inauguração da capela, e é raríssima.

"Não conheço nenhuma outra imagem da virgem das Mercês grávida, se é que ela está grávida", diz a historiadora Myriam Ribeiro, professora aposentada da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e uma das maiores especialistas em barroco brasileiro. Existem duas santas que costumam ser representadas grávidas: Nossa Senhora do Ó e Nossa Senhora da Boa Expectação.

Santas grávidas são uma herança da Idade Média, quando os fiéis tinham um convívio mais íntimo com as imagens sacras e costumavam representá-la como pessoas comuns. O Concílio de Trento, realizado entre 1545 e 1563, acabou com essa tradição e vetou, por exemplo, as imagens do Cristo nu na cruz, segundo Myriam.

A historiadora Olga Rodrigues Nunes de Souza, que cuida do acervo da cúria de Taubaté, diz que tudo conspirava para que a imagem estivesse destruída. "A terracota da santa não era bem cozida. Todo mundo achava que a imagem iria desintegrar na água. Achá-la com o rosto bom é o que o povo costuma chamar de milagre", diz.

A santa e o vazio

A santa foi encontrada por uma equipe comandada por José Carlos Imparato, professor de odontologia da USP e arqueólogo nas horas vagas.

Imparato, que tirou licença para fazer as buscas em Paraitinga, tem uma casa de veraneio a cerca de 50 metros da capela e, quando a água começou a invadir a cidade, cogitou pegar uma canoa para tirar a imagem do altar. "Mas fiquei com medo que me confundissem com um saqueador", relata.

Pediu, então, a um garoto que checasse se a imagem estava segura. O garoto entrou de canoa na capela, viu que a imagem não fora atingida pela água e resolveu deixá-la por lá. Isso aconteceu no dia 1º de janeiro. No dia seguinte a capela estava no chão e a imagem sumira.

A santa foi encontrada no segundo dia de buscas na capela, em 4 de janeiro, por volta das 11h. "Achei, achei, achei", gritou Luiz Antonio Veriato, voluntário nas buscas que trabalhara no restauro da capela que ruiu. A imagem foi salva por um golpe de sorte, segundo Imperiato. "Ela estava deitada sobre três pranchas de madeira. Tinha uns 20 centímetros de barro e de madeira sobre ela, mas havia uma lacuna, um vazio, na parte do rosto. Quando vi o rosto intacto, o manto e mãos em bom estado, não acreditei".

Amanhã, Wivian Diniz, gerente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) de bens móveis, vai a Paraitinga verificar o que fazer com a imagem.

O plano do Iphan é entregar a imagem para João Dannemann, professor da Universidade Federal da Bahia da disciplina conservação e restauração de obra de arte. "A ideia é reconstruir a santa porque é uma obra de caráter devocional", diz. "O fiel não aceita peça devocional sem um pedaço do corpo. Se fosse obra de museu, ela poderia ser restaurada sem um braço, por exemplo."

Dom Carmo Rohden, bispo de Taubaté, conta que dez dias antes da enchente tentou tirar a imagem de Paraitinga.

"Não porque eu previsse a catástrofe, mas porque ela ficaria melhor no Museu de Arte Sacra de Taubaté e temos que zelar pela nossa arte sacra. Se eu fosse ditador, a imagem estaria salva, mas não tenho vocação para Hitler. O padre local disse que a população venera a Nossa Senhora das Mercês e eu aceitei o argumento dele".

Cerca de 250 livros com a história das irmandades de Paraitinga, duas imagens do início do século 18 e um paramento com aplicações em ouro foram salvos das águas porque o museu levou-as para Taubaté.

O dentista que comandou as escavações em que as imagens foram achadas diz que a saída da imagem de Paraitinga seria uma "catástrofe". "A recuperação dessa imagem é o ressurgimento da cidade para os moradores. Ela não pode sair daqui." Folha On Line