Neste
período natalino, muitas pessoas e instituições promovem campanhas
humanitárias louváveis, dignas de reconhecimento. Uma das campanhas
chama-se natal sem fome, cujo objetivo é matar a fome de muitos cidadãos
no dia do natal.
Nada contra, pelo o contrário. Muitas
encampam essa campanha por amor ágape, visando tão somente o bem estar
dos irmãos. Outros, porém, fazem-na por pura demagogia, hipocrisia.
Muitas vezes por puro exibicionismo. Pensando que sua ação de final de
ano vai agradar a Deus, o pai dos pobres excluídos, marginalizados por
esta sociedade tremendamente excludente, individualista, injusta,
desumana, consumista, onde a pessoa humana não vale pelo que ela é, mas
pelo o quem tem.
Muitos ricos estão aí, a todo vapor,
arrecadando toneladas de alimentos, roupas, brinquedos para ser
distribuídos no Natal. Eles dizem que vão fazer as famílias pobres
ficarem felizes na noite de Natal. O gesto seria tão cristão, quanto
bonito, se não fosse recheado de hipocrisia, exibicionismo, como tenho
afirmado peremptoriamente.
Particularmente, gostaria de fazer
alguns questionamentos sobre essa campanha do natal sem fome, promovida
pela a alta sociedade, ou senão, pela a elite, que vive nadando durante o
ano todo em mordomias, bem estar pessoal, familiar e social:
Para a elite, a fome só existe no final
do ano, ou seja, no Natal? E a fome que mata tantos filhos de Deus, só é
perceptível neste tempo natalino? Ora, se a fome campeia durante o ano
todo, então, onde estão os ricaços que não olham para os famintos no
transcorrer dos 365 dias?
Será que para a elite rica, poderosa, a fome é só de comida? E a fome de justiça social, de dignidade, não existe?
Por que não há uma preocupação com as injustiças que agridem a dignidade do povo pobre?
Por que os pobres só são lembrados no final do ano, especialmente no Natal?
Por que muitos da elite maldizem os que lutam por terra?
Por que as elites não promovem ações sociais que podem beneficiar a comunidade pobre?
Se forem ricos, por que campanhas pela
TV, rádio, internet,visando arrecadar alimentos, roupas, brinquedos? Por
que não compram com seu próprio dinheiro que apodrece nos bancos do
Brasil e do exterior? Cadê o espírito cristão de partilha?
Durante o ano, quantas vezes as pessoas
abastadas, economicamente falando, ajudaram os filhos de Deus que clamam
por pão, roupa, remédio?
Conversando com algumas pessoas pobres,
humildes, necessitadas, sobre essa campanha promovida pela a elite e
instituições poderosas, ouvi delas o seguinte:
- Padre Djacy, por que esses ricos só aparecem agora com suas cestas básicas?
- Padre, os ricos pensam que vão matar nossa fome com uma cestinha básica dada na noite de natal;
- Por que eles não nos ajudam durante o ano todo?
- Padre minha mãe precisa de uma cirurgia, já pedi a todo mundo, e nada. Cadê que os ricos nos ajudaram? Nada!
- Olhe seu padre, conheço uma pessoa que
precisava de uma cadeira de roda, pedi as pessoas endinheiradas, mas
nada.Sabe quem me ajudou? Uma família que vive de dois salários mínimos.
- A gente chega à casa de gente rica, importante, e nem nos sentimos bem. É tanta formalidade.
- Padre, a gente não quer esmola, quer emprego, dignidade.
- Esmola é a pior humilhação para os pobres que querem trabalho.
- Minha mãe precisava de uma
cirurgia,lutei,lutei, e nada. Pedi ajuda as pessoas abastadas, e nada. A
comunidade fez uma campanha para pagar a cirurgia de minha mãe.
- Padre, Essa gente que faz essa campanha é contra os movimentos sociais, como o MST e outros.
- Quando os pobres vão para rua lutar
pelos seus direitos, a elite poderosa chama a gente de vagabundos, de
vadios, malandras, preguiçosos…
- Já vi gente rica dizer assim: pobre é para servir os ricos.
- Muitas vezes, essa gente que anda
fazendo a campanha natal sem fome diz que os pobres só são pobres,
porque são vagabundos, malandras, preguiçosos.
- Por que essa gente rica, poderosa não
fica do nosso lado quando a gente luta por reforma agrária, por moradia,
por emprego, por justiça social?
- Muitas dessas pessoas que estão
fazendo a campanha do natal sem fome são contra os pobres que brigam por
terra, casa, justiça, dignidades.
- Por que essas instituições ricas que
estão fazendo a campanha natal sem fome, não promovem todo mês uma
semana de assistência médico-odontológica, nas comunidades carentes?
- Se o pobre for pedir uma consulta médica ou um exame a uma dessas instituições, meu Deus, sai de lá correndo.
- Engraçado, padre, os ricos só vêm a
nossa comunidade uma vez ao ano trazer essas esmolas e, além disso, vêm
acompanhado de fotógrafos, televisão… Por que tanta mídia na entrega
dessas feiras?
- Olha, padre Djacy, conheço uma família
que, uma vez ao ano, faz campanha do natal sem fome, mas, sabe quanto
gasta por mês com sua cadela de estimação? Gasta mais de mil reais.
- Esse povo rico pensa que só existe fome no fim do ano. Padre, na minha comunidade tem gente que passa o ano com fome, sabia?
- Padre, para nós, essas campanhas não resolvem nada, pelo o contrário, nos humilham.
- Olha padre, no dia da entrega das
cestas básicas, os ricos chegam na nossa comunidade em seus carrões,
acompanhados de seus animais de estimação.
- Padre Djacy, seria muito melhor que os
ricos nos apoiassem nas nossas lutas por terra, moradia, emprego, saúde
e educação de qualidades, segurança;
- Sei padre, tem tanta gente rica que só
pisa no chão porque é o jeito. Essa mesma gente, no final do ano chega
dando-nos cestas básicas. Será que não é para aliviar sua consciência
pesada?
Não serei tão radical a ponto de
generalizar. É notório que há muitas pessoas da elite que dispõem de
espírito humanístico, de partilha, de solidariedade, que se preocupam
com o sofrimento das pessoas que vivem à margem da vida. Para essa gente
que vive, de fato, o evangelho, a fé cristã, meus aplausos. Para os
egoístas, preconceituosos, arrogantes, individualistas, que só se
lembram dos pobres no natal, minha oração e desejo de conversão sincera.
Antes que seja tarde demais, claro!
Para os ricos gananciosos, que não
dispõem de espírito de partilha, de amor ágape aos pobres, que só se
lembram dos pequenos no natal com sua fajuta campanha natal sem fome,
valem as palavras de São Basílio (+379):
“Aos famintos pertence o pão que
guardas. Ao homem nu, o manto que guardas até nos teus cofres. Ao que
anda descalço o calçado que apodrece em tua casa. Ao miserável, o
dinheiro que guardas escondido. É assim que vives oprimindo tanta gente
que poderia ajudar”.
“Se cada um conservasse apenas que se
requer para suas necessidades correntes e deixasse o supérfluo para os
indigentes, a riqueza e a pobreza seriam abolidas”.
“Quem é o avarento? Uma pessoa que não
se contenta o necessário. Quem é o ladrão? Uma pessoa que tira de alguém
aquilo que lhe pertence”.
E São João da Cruz, o santo místico, dizia: “no entardecer da vida seremos julgados pelo o amor”.
Finalmente, Jesus, a autoridade por excelência no assunto: “amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado”.
Fé cristã não combina com hipocrisia!
Padre Djacy Brasileiro, em 06 de novembro de 2011.