(foto: ilustrativa) |
Ele mais parecia réu do
que testemunha. Da tribuna do júri popular, o advogado massacrava José Carlos
da Silva, vulgo Zé Cachaça, que vivia bêbado, estendido na calçada, onde, às
vezes, dormia sem ser incomodado. Sempre havia alguém a lhe pagar uma bicada,
quando não era o próprio dono da bodega que enchia o copo, para “equilibrar o fígado”.
Zé Cachaça não era assim. Ficou assim, contam os mais velhos, depois de
machucar o coração, desprezado, a mulher dos sonhos preferindo,
pragmaticamente, um casamento de conveniência para assegurar o futuro. Então,
José Carlos refugiou-se na cana. Por isso, o defensor do réu o tratava como
enorme desdém.
Por quê? - Porque Zé
Cachaça viu um homem tirar a vida de outro. Deitado no coreto da Praça da
Matriz, ele presenciou o assassinato e reconheceu os dois. Só ele, mais
ninguém. O delegado tomou a termo suas palavras, confirmadas depois perante o
juiz na instrução do processo criminal. Zé agigantou-se. Disse tudo o que seus
olhos enxergaram ao amanhecer do dia, o sangue a escorrer no patamar da igreja.
Virou testemunha-chave. Daí porque o advogado armou a tese da defesa, atacando
o infeliz Zé Cachaça, para desqualificá-lo como testemunha e, por esse caminho,
negar a autoria do crime.
Como pode valer o
depoimento de alguém que vive embriagado, dormindo aqui e ali, onde cai sem
força? Que valor tem a palavra deste elemento (o advogado aponta para ele), que
mal enxerga um copo de aguardente? Ora, senhores juízes de fato, até o apelido
o desacredita: Zé Cachaça! E o causídico continuou nesse diapasão com o
objetivo de desqualificar a testemunha. O réu, ali de cabeça baixa, olhos
pregados no chão, a ruminar a cena do crime, o sangue na faca saindo da
barriga, o tombo do corpo, o gemido final da vítima.
E os jurados? - Sabiam de
tudo. Conheciam a verdade. O advogado, porém, insistia na tese da negativa da
autoria do crime, baseado em erros banais do inquérito policial e tentando
desmoralizar a única testemunha do ato delituoso. Mas José Carlos, bêbado ou
não, falou a verdade: viu o homem enfiar a peixeira nas entranhas do outro.
Desqualificar a testemunha nem sempre dá certo, como nesse caso de um excluído
da sociedade pelo vício. O famoso advogado dessa vez perdeu feio. O assassino
foi direto para a cadeia.
Pense, agora, na delação
premiada de Francisco Justino.
Na Operação Andaime,
Justino foi muito mais do que uma testemunha, como foi Zé Cachaça. Foi operador
da organização criminosa, escolhido pelo chefe para desempenhar o papel de
empresário de firmas fantasmas. Invisíveis? Invisíveis, uma ova! As Comissões
de Licitações das prefeituras integrantes do conluio de delinquentes, as
enxergavam muito bem. Ocorre que, quando Justino se viu como o único preso dos
dez trancafiados no presídio de Cajazeiras, em junho de 2015, teve o estalo de
salvar sua pele e de sua família. Usou então a faculdade aberta pela Lei de
Organização Criminosa, de nº 12.850, de 2013, e tronou-se “colaborador
premiado”.
Da mesma forma que Zé
Cachaça, Justino disse o que seus olhos viram. E mais, o que ele mesmo praticou
de malfeitorias, explicando tim-tim por tim-tim como tudo acontecia. A partir
daí o ódio contra ele se espalhou pelos bares, em conversas de esquina e até na
mídia. De eficiente operador do esquema de corrupção instalado no sertão do
Piranhas, ele passa à condição de perigoso inimigo.
Agora é tarde, não adianta
tentar desqualificá-lo. Nem muito menos pensar em eliminá-lo. Só iria complicar
a situação do resto da organização criminosa, até daqueles que não sentiram o
peso das grades. Ainda.
Por Frassales Cartaxo