Numa crise que já revelou tramas e enredos antes inimagináveis, nada mais
parece capaz de provocar surpresa nem espanto - e, no entanto, surpresa e
espanto insistem em aparecer. Nos últimos dias, VEJA apurou o fio da meada que
leva a um plano secreto destinado a tirar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva do Brasil, caso sua prisão seja decretada. O plano prevê que Lula pediria
asilo a uma embaixada, de preferência a da Itália, depois de negociar uma
espécie de salvo-conduto no Congresso, que lhe daria permissão para deslocar-se
da embaixada até o aeroporto sem ser detido - e, do aeroporto, voaria para o
país do asilo.
A cronologia do plano, de acordo com os detalhes que VEJA conseguiu
levantar, pode ser resumida como se segue.
Domingo, 6 de março. Sob o impacto da 24ª fase da Operação Lava-Jato, na
qual foi levado coercitivamente para depor na Polícia Federal, Lula reuniu seus
principais conselheiros. Ali, debateram duas alternativas. A primeira era uma
intervenção no governo de Dilma Rousseff, com Lula assumindo de fato o comando
do país, como se tentou fazer com sua nomeação para a Casa Civil. A outra era
uma solução mais drástica, sugerida por conselheiros para os quais o problema
não era apenas político: Lula deixaria o Brasil de tal modo que pudesse se
apresentar como vítima de uma perseguição política. Surgiram quatro opções de
destino: Cuba, Venezuela, França e Itália.
Segunda, 7. A cúpula do PT, com base na discussão do dia anterior,
destacou um emissário para sondar o regime cubano sobre o nível de proteção que
Lula receberia de Havana caso se asilasse ali. A Venezuela foi logo descartada
da lista em razão de sua instabilidade política. França e Itália continuaram no
horizonte. As sondagens se prolongaram por quatro dias, até que, na
quinta-feira, 10 de março, os promotores do Ministério Público, numa trapalhada
jurídica, pediram a prisão preventiva de Lula. O ambiente ficou pesado e as
negociações ganharam mais tração.
Quarta, 16. Enquanto o país ouvia as gravações da conversa telefônica
entre Dilma e Lula, na qual a força-tarefa da Lava-Jato colheu indícios de que
os dois agiam para obstruir a Justiça, uma sondagem desenrolava-se a quinze
minutos do Palácio do Planalto: na embaixada da Itália. O embaixador daquele
país, Raffaele Trombetta, promovia um jantar para quarenta convidados. Entre
eles, aliados do ex-presidente com atuação destacada no mundo jurídico e no
Congresso. Em determinado momento do convescote, Trombetta teve uma conversa
franca e reservada com os emissários do ex-presidente. Foi perguntado sobre possíveis
desdobramentos caso Lula se refugiasse no prédio da embaixada italiana e desse
prosseguimento ao pedido de asilo político. Trombetta prometeu estudar as
consequências. (Procurado por VEJA na semana passada, o embaixador Trombetta
repassou o telefone a seu chefe de gabinete, Alberto La Bella, que se assustou
ao ser perguntado sobre o plano de asilo para Lula. Disse La Bella: "Isso
foi uma conversa particular do embaixador. Não sei o que dizer. O ministro Lula
está no país. Acho difícil essa saída".)
Manhã de sábado, 19. Um dia antes, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo
Tribunal Federal, suspendera a posse de Lula como ministro da Casa Civil, numa
decisão que caiu como uma bomba no PT. Como havia perdido o foro privilegiado e
seu caso voltara às mãos do juiz Sergio Moro, em Curitiba, Lula passava
novamente a correr o risco de ser preso preventivamente a qualquer momento.
Lula resolve envolver-se pessoalmente no plano, que até aqui vinha sendo tocado
sem a sua intervenção direta. Lula quis detalhes do assunto. Perguntou como
deixaria o país sem ser capturado pela Polícia Federal, como seria o contato
com as autoridades estrangeiras e quais seriam os desdobramentos para a sua
família.
Noite de sábado, 19. Diante dos questionamentos de Lula, um pequeno grupo
de advogados e políticos reuniu-se num endereço nobre de Brasília e detalhou de
modo mais concreto o plano de emergência. Mesmo sem contar ainda com a resposta
do embaixador Raffaele Trombetta, o grupo decidiu que a melhor opção era
realmente a Itália. O fato de a ex-primeira-dama Marisa Letícia ter cidadania
italiana e de o direito ser extensivo aos filhos igualmente investigados na
Lava-Jato facilitava as coisas. Na reunião, os conselheiros debateram o roteiro
jurídico para que o ex-presidente pudesse ser autorizado a deslocar-se da
embaixada em que viesse a se asilar até o avião em que partiria para o
exterior. Ficou acertado que seria necessária "uma saída negociada"
com as principais forças políticas de oposição, já que o salvo-conduto teria de
ser previamente aprovado pelo Congresso. A missão política foi delegada ao
advogado Sigmaringa Seixas, ex-deputado do PT, e ao ex-ministro Nelson Jobim,
que tem bom trânsito junto a diversos partidos. No PMDB, o primeiro a ser
procurado foi o presidente do Senado, Renan Calheiros. Em seguida, acionou-se o
ex-ministro Moreira Franco, por sua proximidade com o vice-presidente Michel
Temer.
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