O parlamentar, que é filho
de agricultores, fala com conhecimento de causa, pois, a exemplo de Nathalí
também mudou seu destino pela Educação. “Eu nasci num sítio, trabalhei na roça,
morei boa parte da vida no sertão paraibano, na cidade de Cajazeiras, venho de
uma família humilde, durante anos fui vendedor de alho em feira livre, sempre
estudei em escola pública, passei no vestibular para a UFCG, me formei em
Direito, depois passei num concurso da UFCG para professor do Campus de Sousa e
estou em meu terceiro mandado como deputado estadual. Se não fossem meus
estudos, minha formação, onde e como eu estaria hoje?”, questiona Jeová.
Para o deputado, a carta de
Nathalí é um grito de revolta e indignação que precisa ecoar nos quatro cantos
do país. “É impossível não ler essa carta e não se sensibilizar pelo relato e
não se indignar com a postura de Paulo Guedes e dos representantes deste
governo que ele serve, porque essa realidade de necessitar do FIES e de outros
programas de bolsa para ter acesso ao estudo superior é de milhares de
brasileiros, que sem esses programas jamais poderiam nem sonhar com um diploma
de nível superior”, destaca Jeová, lembrando como bem colocou na sua carta que
o FIES não é uma doação, mas um empréstimo que será pago após a formatura. “Por
fim, quero parabenizar a Nathalí e em seu nome os brasileiros que conseguiram
superar a pobreza e ampliar os horizontes graças à Educação, especialmente,
àqueles que não apoiam esse governo genocida, preconceituoso, discriminatório e
desumano”, finalizou Jeová.
Eis a íntegra do texto:
Carta aberta a Paulo Guedes
(da filha do porteiro)
Publicado por Nathalí Macedo
- 30 de abril de 2021
Costumo me arrepender sempre
que clico em manchetes com seu nome. Já tive que ler que funcionários públicos
são parasitas, que “todo mundo agora quer viver até 100 anos”, que “as pessoas
destroem o meio ambiente porque precisam comer” (alô, agronegócio, já almoçou?)
– a única certeza do brasileiro, neste momento, é que o senhor e o seu
presidente jamais perderão a oportunidade de ficarem calados.
Aliás, de todos os absurdos
que o senhor – surpreendentemente ou não, um dos nomes mais importantes do
desgoverno Bolsonaro – já bostejou, o mais recente é também o que mais fala
sobre o Brasil, o que melhor desenha o ódio de classes que deu base ao
bolsonarismo com o qual o senhor contribui e do qual se beneficia. “FIES bancou
universidade até pro filho do porteiro que zerou o vestibular”.
Uma primeira consideração a
ser feita neste ponto é que o FIES não “banca” universidade pra ninguém. É um
sistema de financiamento. Com juros e parcelas a perder de vista. Após a
formatura, o estudante leva um diploma e uma dívida imensa com o Estado.
Em um país decente, com
educação pública de qualidade e políticas públicas sérias para a juventude, o
FIES seria obsoleto, senhor Ministro.
Já no Brasil das
desigualdades, é, pra muita gente, o único caminho para a universidade. No
Brasil da educação básica defasada e do ensino médio boicotado – em que o filho
do porteiro tem que se esforçar dez vezes mais do que o filho do ministro pra
entrar na universidade pública – é necessário que estudantes se endividem se
quiserem um diploma (que de forma alguma, como o senhor deve saber, garante um
emprego ou uma sobrevivência digna no Brasil de Bolsonaro).
Eu era a filha do porteiro.
Do moto-taxista (no nordeste não tem motoboy, tem moto-taxista), para ser mais
específica. Lá em 2011, quando passei no vestibular com bolsa 50% pelo ProUni,
eu trabalhava pra pagar a metade do meu cursinho pré-vestibular. A outra metade
o meu pai pagava, com o dinheiro que ganhava nas corridas – de dois em dois
reais.
Quando fui aprovada, não
tínhamos dinheiro pra pagar a outra metade da mensalidade, que não era coberta
pela bolsa. Se não existisse o FIES, senhor Ministro, eu não estaria no
doutorado aos 26 anos.
Na época, fizemos o
financiamento para o primeiro semestre, e eu estudei ainda mais pra conseguir
uma bolsa integral pelo ProUni no semestre seguinte. Graças a ele, a partir do
segundo período eu já não precisava me endividar pra estudar. Tive meu curso completamente
patrocinado pelo governo responsável por colocar os filhos do porteiro na
universidade, um governo que investe em seus jovens. Depois disso, pude enfim
ter condições de entrar em uma universidade pública para o mestrado.
É isso que te preocupa – não
só a você, mas a toda a classe média que odeia pobre: nós, os pobres, estamos
na universidade, muitas vezes fazendo pesquisas contra seu governo. O problema
de vocês com o PT nunca foi a corrupção. A gente sabe: sempre foi ódio de
classes.
Nós já sabíamos quando vocês
comiam picanha em frente à FIESP. Quando lançou o premiado “Que Horas Ela
Volta?”, Ana Muylaert também sabia. E adivinha? Não foi Jéssica que zerou o
vestibular. Foi Fabinho, o filho dos ricaços. Poderia facilmente ser filho do
ministro: esses meninos brancos que tiveram tudo e nunca precisaram desenvolver
as próprias habilidades – e, em razão disso, ficaram burros. Acontece.
Também não me surpreende, do
mesmo modo, que o senhor não conheça o cinema nacional, ou que ele nada lhe
diga, e é por isso que o senhor não vai pegar a referência, mas eu lanço mesmo
assim: problema dos Fabinhos, a gente sempre soube, são as Jéssicas – que
entram na universidade apesar dos pesares, sem estrutura pra estudar,
enfrentando a pobreza todo dia, e depois pegam o mesmo avião que eles para a
Disney (na verdade, os que estudam bastante escolhem destinos menos fúteis, mas ainda cruzam com
os ricos no aeroporto).
Essa realidade, aliás,
parece parte de um passado distante – bons tempos em que tínhamos um
presidente. Hoje, graças ao senhor e seu amo, ninguém mais vai à Disney. Ou a
lugar nenhum: nenhum país abre fronteiras pra brasileiro sob o desgoverno Bolsonaro.Parabéns
aos envolvidos.
O senhor não se contentou em
escrever seu nome na história como inimigo do Brasil e um dos mentores do
período mais nefasto do século: faz questão de se consagrar também como aquele
que compete com o presidente e seus filhos pelo Oscar na categoria “falar
bosta”.
Fique à vontade para compor
seu mural de absurdos, mas, na próxima vez que o senhor pensar em dizer que o
filho do pobre zera o vestibular, veja o filme de Ana Muylaert ou simplesmente
consulte o currículo lattes dos seus companheiros de governo, com informações
falsas, plágios e pesquisas irrelevantes.
Por ora, não podemos fazer
muita coisa contra o governo genocida que o senhor integra. Mas ainda podemos
dizer – ou escrever – em alto e bom som: burrice não é coisa de pobre. É a
especialidade principal do bolsonarismo.
Revoltosamente,
Nathalí.
Assessoria