Sociedade civil vê avanço, mas não suficiente
para combater corrupção
Esta quinta-feira (4) marca a passagem dos
dez anos de assinatura da Lei Complementar nº 135, mais conhecida como Lei da
Ficha Limpa, que proíbe a eleição a cargos públicos de candidatos condenados
por decisão transitada em julgado ou por órgãos colegiados da Justiça.
A lei foi criada com grande apoio popular, a
partir da iniciativa de juristas, e chegou a somar 1,6 milhão de assinaturas. A
proposta começou a ser articulada no fim da década de 1990 pela Comissão
Brasileira de Justiça e Paz, ligada à Igreja Católica, e foi apresentada ao
Congresso Nacional em setembro de 2009.
“Foi uma das poucas propostas de iniciativa
popular que conseguiram se concretizar em uma legislação. O processo de coleta
de assinaturas foi uma mobilização da sociedade civil bastante importante, em
resposta aos escândalos de corrupção que iam acontecendo com a reiterada
tentativa de pessoas condenadas em concorrer a cargos eletivos”, lembra
Guilherme France, coordenador de pesquisa da organização não governamental
(ONG) Transparência Internacional.
“Essa lei é de extrema importância. Ao longo
dos anos tem impedido que vários candidatos ou políticos avancem na carreira e
consigam obter mandato, seja qual for o cargo público”, afirma Gil Castelo
Branco, secretário-geral do Contas Abertas, site especializado que acompanha a
aplicação de recursos públicos.
Desde a Constituição
O diretor do Departamento Intersindical de
Assessoria Parlamentar (DIAP), Antônio Carlos Queiroz, acompanhou a tramitação
da lei no Congresso Nacional, aprovada por unanimidade no Senado. Ele lembra
que essa lei era esperada desde a promulgação da Constituição Federal (1988) e
considera que a “Ficha Limpa vem cumprindo a sua missão” e tem funcionado como
“bloqueio” para candidatos com condenações na área cível ou criminal.
Manoel Galdino, diretor executivo da
Transparência Brasil, concorda que a lei tem sido “efetiva em barrar
candidatos”, mas afirma que “ainda há certa impunidade” a crimes praticados por
políticos e gestores públicos por “pouca fiscalização” do uso de recursos
públicos, especialmente nos níveis estaduais e municipais.
O baixo acompanhamento é grave, em sua
opinião, porque ainda “existe muita discricionaridade por parte dos gestores do
Poder Executivo de como usar recursos públicos, que podem direcionar para
favorecer empresários e desviar”.
Galdino entende que a diminuição da corrupção
também depende da presença da imprensa, da atuação da sociedade civil
organizada e da população. “O eleitor acaba não recompensando adequadamente os
gestores que são honestos e competentes”, acrescenta.
Para Castelo Branco, do Contas Abertas, “uma
lei só não faz verão” e “o ideal é que o combate à corrupção fosse política de
Estado, envolvendo os Três Poderes”. Ele espera a aprovação de um conjunto de
leis e a adoção das 70 medidas de combate à corrupção propostas ao Congresso
Nacional antes da eleição de 2018.
Em sua avaliação, “nos últimos anos houve
retrocesso no combate à corrupção”, e outras leis podem desestimular delitos e
desvio de dinheiro público se houver garantia de punição. “A corrupção é uma
doença social. O corrupto é um sociopata. Ele não tem remorsos, mas ele faz
análise de riscos”.
Percepção da corrupção
“O correto seria estender a ficha limpa para
todas as instituições que recebam recurso público de algum modo”, acrescenta
Antônio Carlos Queiroz (Diap), que há mais de 30 anos acompanha o dia a dia do
Congresso. Ele lamenta, por exemplo, o fato de ter “gente com condenação
judicial exercendo liderança partidária fora do Parlamento”.
“Chama a atenção o fato de figuras com
comprovado envolvimento de corrupção continuarem desempenhando papéis-chave
dentro de partidos políticos”, diz Guilherme de France, da Transparência
Internacional. “Isso demonstra que os partidos políticos ainda estão longe de
se adequar às normas de transparência, probidade e democracia”.
France prevê que impunidade e retrocesso no
combate a ilegalidades praticadas por políticos podem piorar a imagem que os
brasileiros têm do próprio país. A Transparência Internacional mede em 180
países o Índice de Percepção da Corrupção (IPC). Nos últimos cinco anos, o
Brasil cai seguidamente no índice. Em 2019, o Brasil ocupou a 106ª posição no
grupo de países avaliados.
Agência Brasil