O magistrado entendeu que a indicação de Nil para o cargo não configura terceiro mandato (prefeito itinerante) pelo fato do seu esposo Chico Mendes que foi indeferido por unanimidade no TRE, ter exercido dois mandatos como prefeito no município de São José de Piranhas.
Com a decisão, o Ministério Público deverá recorrer ao TRE-PB e o caso só deverá ser julgado em segunda instância após o resultado das eleições em 06 de outubro.
Abaixo, a sentença do juiz:
Vistos etc.
1. Relatório
Trata-se de PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATURA (11532) de MARIA NILDALANIA BRAZ DE SOUZA - CPF: 026.336.524-76 ao cargo de Vice-Prefeita ao Município de Cajazeiras (ID 122976385).
O PEDIDO veio acompanhado de documentos (identidade, comprovante de escolaridade, certidões criminais, declaração de bens).
Informação de candidata (ID 122976576).
Certidão de autuação (ID 122976441), indicando se tratar de pedido de substituição ao cargo de Vice-Prefeito(a) no Município de Cajazeiras - PB, pela coligação MUDAR PARA CRESCER [REPUBLICANOS / MOBILIZA / PSB / Federação BRASIL DA ESPERANÇA - FE BRASIL(PT/PC do B/PV)], uma vez que o candidato PABLO DE ALMEIDA LEITÃO apresentou pedido de renúncia (RCand 0600081-24.2024.6.15.0068), bem como informando o deferimento do DRAP 0600079-54.2024.6.15.0068, associado aos presentes autos.
Edital publicado no Diário de Justiça Eletrônico do TRE-PB de 17/09/24 (ID 122979137).
Petição incidental (ID 122980600) da requerente, em que busca modificar o nome inicialmente registrado, a fim de incluir o sobrenome "Mendes". Explica que é casada com o Deputado Estadual Francisco Mendes Campos, mais conhecido como "Chico Mendes", um líder político com forte influência na região e com um projeto político para a cidade de Cajazeiras. O vínculo com seu marido, que é amplamente conhecido, reforça, segundo a requerente, sua conexão com esse projeto político, que ela decidiu apoiar, principalmente em sua candidatura como vice-prefeita. Ao final, solicita que, antes do fechamento do sistema de registro de candidaturas (CAND), seu nome de urna seja alterado para "Nil Mendes Braz".
DECISÃO (ID 122983338) deferindo o pedido de alteração do nome de urna e autorizando o Cartório Eleitoral a proceder a validação dos dados que constarão da urna eletrônica.
O MINISTÉRIO PÚBLICO apresentou IMPUGNAÇÃO (ID 122985258). Afirma que a candidata não preenche os requisitos constitucionais para elegibilidade, conforme disposto no art. 14, §7º, da Constituição Federal. Alega que Nildalânia é esposa de Francisco Mendes Campos, ex-prefeito de São José de Piranhas/PB, que exerceu dois mandatos consecutivos entre 2017 e 2022 e agora busca candidatura à Prefeitura de Cajazeiras/PB, configurando uma tentativa de um "terceiro mandato consecutivo" por meio de candidatura de seu cônjuge, o que é vedado pela Constituição. Entende que se aplica à candidata a inelegibilidade reflexa, impedindo sua candidatura em razão da perpetuação de grupos familiares no poder, mesmo em municípios distintos. Ressalta que o Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou, por meio da Súmula Vinculante 18, que a inelegibilidade reflexa se mantém mesmo em casos de dissolução da sociedade conjugal. Assim, como Francisco Mendes Campos é inelegível para o pleito de Cajazeiras, o mesmo se aplica a sua esposa, Maria Nildalânia Braz, impedindo sua candidatura com base nos princípios republicanos e democráticos. Ao final, requer a procedência da impugnação, com o indeferimento do pedido de registro de candidatura de Maria Nildalânia Braz de Souza.
Regularmente citada (ID 123006560), a candidata impugnada apresentou sua CONTESTAÇÃO (ID 123029411). Afirma que a inelegibilidade reflexa prevista no art. 14, §7º, da Constituição Federal, não se aplica ao caso. Argumenta que a restrição territorial se limita ao “território de jurisdição” do titular do cargo executivo, e como Maria Nildalânia está se candidatando em município diverso daquele onde seu cônjuge exerceu o mandato, não há configuração de inelegibilidade. Entende que a vedação ao terceiro mandato consecutivo familiar aplica-se exclusivamente ao território onde o cônjuge ou parente exerce o cargo executivo, não podendo ser ampliada para municípios adjacentes. Sustenta que a inelegibilidade reflexa não se estende a municípios vizinhos, desde que não haja desmembramento ou fusão das circunscrições envolvidas, e que por ser Cajazeiras um município diferente de São José de Piranhas, não há impedimento para que a candidata dispute o cargo. Ao final, requer a improcedência da ação de impugnação e o deferimento do registro de candidatura de Maria Nildalânia Bráz de Souza. Juntou documentos.
Instado a se manifestar sobre os documentos apresentados, o MINISTÉRIO PÚBLICO (id 123047697) ratificou a impugnação apresentada, acrescentando que a inelegibilidade alegada possui caráter objetivo, buscando garantir a efetividade do princípio republicano e do princípio de democrático que exige a alternância do poder. Ao final, requer a procedência da impugnação.
É o que basta relatar. Passo a decidir.
2. Preliminares e prejudiciais de mérito
Inicialmente, a matéria em análise se insere na competência da Justiça Eleitoral (art. 97 do Código Eleitoral). O processo segue com as partes regularmente constituídas e interessadas na resolução da lide. Foi seguido estritamente o rito previsto no art. 97 do Código Eleitoral e nos art. 40 a 43 da Resolução 23.609/19, assegurando-se o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
Não existem outras preliminares ou prejudiciais de méritos alegadas pelas partes ou que devam ser conhecidas de ofício, ou ainda outras causas que autorizem a extinção do presente processo sem resolução do mérito.
3. Julgamento antecipado da lide
Dispõe o Código de Processo Penal o seguinte:
“Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando:
I - não houver necessidade de produção de outras provas;”
Na espécie, como já mencionado acima, as partes apresentaram os documentos que entenderam necessários ao deslinde da causa. Assim, verificando que os autos encontram-se lastreados em farta documentação, entendo ser plenamente possível proceder ao julgamento antecipado da lide, razão pela qual passo então à análise do mérito.
4. Da inelegibilidade reflexa
Dispõe a Constituição Federal o seguinte:
“Art. 14. Omissis
§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.”
Como se observa, a inelegibilidade reflexa, prevista no dispositivo acima, refere-se à restrição que impede o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau, de se candidatarem no território de jurisdição de um titular de mandato executivo. Essa proibição visa evitar a perpetuação de uma mesma família no poder e, consequentemente, a influência política indevida.
No entanto, a aplicação dessa norma é restrita à circunscrição do titular, ou seja, o município, Estado ou país, conforme o cargo exercido.
Realmente, os requisitos da inelegibilidade reflexa são a existência de vínculo de parentesco consanguíneo ou afim até o segundo grau, a atuação do parente como chefe do Poder Executivo, e o fato de o candidato pretender disputar uma eleição na mesma circunscrição territorial em que o titular exerce o cargo.
Consigno, a propósito, que trata-se de circunstância objetiva, sendo desnecessária a comprovação de que o parente exerça influência política direta no local, pois o próprio parentesco no mesmo território já gera a inelegibilidade, independentemente de outras evidências. Por outro lado, é cediço que as causas de inelegibilidade são situações que, se presentes, impedem que um cidadão, ainda que tenha atendido todas as condições de elegibilidade, possa se candidatar.
Por este motivo, as causas de inelegibilidade devem ser concreta e efetivamente demonstradas, para fins de afastar a possibilidade da candidatura a um determinado cargo eletivo.
A propósito, a Lei Complementar 64/90, que estabelece os casos de inelegibilidade, não dispõe expressamente sobre o ônus da prova, mas este princípio é aplicado conforme a regra geral do direito processual, na qual quem alega um fato que busca modificar a situação jurídica de outrem, é que deve prová-lo. De fato, como a inelegibilidade é uma exceção ao direito fundamental de ser votado (capacidade eleitoral passiva), ela deve ser comprovada por quem a invoca.
Em consequência, cabe a quem alega a existência de uma causa de inelegibilidade demonstrar a sua ocorrência. Isso significa que, geralmente, é responsabilidade do impugnante (por exemplo, outro candidato, partido político, coligação ou o Ministério Público Eleitoral) fornecer as provas que sustentem, de forma inequívoca, a alegação de que o candidato é inelegível.
É cediço também que as causas de inelegibilidade devem ser interpretadas de forma restritiva, em conformidade com a jurisprudência e o princípio da legalidade.
Esse entendimento decorre da necessidade de preservar os direitos políticos dos cidadãos, evitando que restrições sejam aplicadas de forma arbitrária ou excessiva. A inelegibilidade, por limitar o exercício da cidadania, deve ser aplicada somente nos casos expressamente previstos em lei, respeitando o texto legal e as situações especificamente delimitadas. Dessa forma, assegura-se a integridade do processo eleitoral e a igualdade de condições entre os candidatos.
Assim, é forçoso reconhecer que, em caso de dúvida sobre a eventual incidência de uma causa de inelegibilidade, deve-se privilegiar o direito fundamental de se candidatar. E, nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral já decidiu que a inelegibilidade reflexa não pode ser ampliada para municípios vizinhos, ainda que o titular do mandato executivo exerça influência política nesses locais.
Outro ponto importante é que o Supremo Tribunal Federal já firmou o entendimento de que a vedação ao terceiro mandato consecutivo para chefes do Poder Executivo não se aplica aos seus parentes. Esse entendimento busca evitar a criação de uma espécie de "mandato itinerante" para o próprio titular, mas não afeta o cônjuge ou parentes, que podem se candidatar em outras circunscrições.
Realmente, a interpretação literal do art. 14, § 7º, da CF/88, tem sido reafirmada reiteradamente pelo TSE, de modo que a inelegibilidade reflexa está circunscrita ao território do titular. Assim, o cônjuge ou parente não será inelegível em outro município que não faça parte da mesma jurisdição do titular, salvo em casos de desmembramento, fusão ou incorporação de municípios ocorridos na legislatura imediatamente anterior ao pleito.
Ad argumentandum tantum, em relação ao tema da influência política, o TSE tem sido firme ao considerar que a mera alegação de que o titular do mandato tem influência política em municípios vizinhos não é suficiente para atrair a inelegibilidade. É necessário que haja conexão direta entre a circunscrição territorial e o exercício do poder executivo, conforme reiterado em diversos julgados.
A jurisprudência também destaca que a restrição imposta pela inelegibilidade reflexa visa proteger o processo eleitoral de práticas de perpetuação de poder familiar, preservando o princípio republicano e a alternância de poder. No entanto, isso não deve ser feito de maneira a restringir indevidamente o direito à candidatura de indivíduos que não estejam diretamente relacionados à circunscrição do titular.
De fato, apesar de ser uma medida de proteção à democracia, a inelegibilidade reflexa precisa ser aplicada com cautela para não ferir o direito à elegibilidade, que é fundamental e garantido pela Constituição. Esse direito só pode ser restringido quando houver previsão legal expressa e fundamentada.
A doutrina jurídica também endossa essa interpretação restritiva da inelegibilidade reflexa, conforme apontado por José Jairo Gomes:
"A inelegibilidade reflexa é relativa, só ocorrendo quanto aos cargos em disputa na circunscrição do titular. De maneira que o cônjuge e parentes de prefeito são inelegíveis no mesmo Município, mas podem concorrer em outros Municípios, bem como disputar cargos eletivos estaduais e federais". (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 217-218).
Esse entendimento reforça a necessidade de vinculação direta entre o parente candidato e a circunscrição do titular, não permitindo a ampliação indevida dessa restrição. Assim, no caso de prefeitos, a inelegibilidade aplica-se apenas ao município em questão, enquanto que, para governadores, a vedação se estende a todo o estado, e para o presidente, a todo o território nacional.
Ainda que o TSE tenha decidido em alguns casos pela flexibilização da interpretação de algumas normas eleitorais, a corte tem sido consistente ao aplicar a inelegibilidade reflexa de forma rigorosa, mas limitada, evitando analogias que ampliem indevidamente o alcance da norma, como a aplicação da vedação do "prefeito itinerante" para os casos de parentesco.
Portanto, ao abordar a inelegibilidade reflexa, é essencial observar que a sua aplicação deve respeitar os limites territoriais do cargo do titular, e não deve ser ampliada por meio de analogias com outros tipos de restrições, como o impedimento de reeleições consecutivas. A justiça eleitoral, assim, protege a elegibilidade ao mesmo tempo que evita abusos de poder político e a perpetuação familiar no poder.
Assim, a aplicação da inelegibilidade pretendida, que deve ser sempre interpretada de forma restritiva, deve ser descartada, assegurando o respeito ao processo democrático.
Com efeito, sem uma demonstração clara e inequívoca da incidência da inelegibilidade prevista no artigo 14, § 7º da Constituição Federal, deve ser preservado o direito da candidata impugnada de concorrer nas eleições, garantindo que o processo eleitoral reflita a vontade do eleitorado a quem compete, verdadeiramente, decidir quem aparenta ser a melhor escolha para a Administração local.
5. Dispositivo
Com estas considerações, JULGO IMPROCEDENTE a IMPUGNAÇÃO apresentada por MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (ID 122985258) e DEFIRO o pedido de REGISTRO DE CANDIDATURA de MARIA NILDALANIA BRAZ DE SOUZA - CPF: 026.336.524-76 ao cargo de Vice-Prefeita ao Município de Cajazeiras (ID 122976385), pela COLIGAÇÃO MUDAR PARA CRESCER, sob o número 40, com a seguinte opção de nome: “NIL MENDES BRAZ”.
Ação sem custas judiciais ou sucumbência.
Sentença publicada e registrada eletronicamente.
Anote-se no sistema de candidaturas.
Publique-se a presente sentença também em Mural eletrônico e comunique-se ao Representante Ministerial, através de expediente no PJE (art. 58, § 1º, da Res. TSE 23609/2019).
Intimações necessárias, via expediente eletrônico (art. 96, § 7º, da Lei 9504/97).
Sem manifestação, certifique-se o trânsito em julgado.
Interposto recurso, desde que tempestivo, atualize-se a situação no sistema de candidaturas, intime-se o recorrido para apresentar contrarrazões no prazo de 3 (três) dias (art. 96, § 8o da Lei 9504/97; art. 59 da Resolução TSE 23609/2019).
Apresentadas as contrarrazões ou decorrido o prazo, encaminhem-se os autos ao Tribunal Regional Eleitoral (art. 59, parágrafo único, da Res. TSE 23609/2019).
CUMPRA-SE todos os atos com as cautelas legais e com prioridade, observando os prazos estabelecidos na Resolução TSE n° 23.609/2019 e CALENDÁRIO ELEITORAL das Eleições de 2024.
Cajazeiras, datado e assinado eletronicamente.
MACÁRIO OLIVEIRA JÚNIOR
Juiz da 68ª Zona Eleitoral