Primeiras-damas e primeiros-cavalheiros não têm poder de direito, mas Janja quer ter poder de fato – sem o ônus que um cargo oficial carrega consigo
Cônjuge de presidente não é um cargo oficial e muito menos eletivo, apenas uma função simbólica que é exercida de forma voluntária, sem salário e sem responsabilidades definidas em lei. Ou seja, uma primeira-dama não tem poder de direito, mas Janja quer ter poder de fato — sem o ônus que um cargo oficial carrega consigo.
Janja disse que quer “ressignificar” o papel de primeira-dama. Ela reclama de não ter verba e equipe próprias (ainda que informalmente tenha doze assessores à sua disposição). Mesmo sem um cargo no governo, participou de reuniões ministeriais e interferiu diretamente na gestões de algumas pastas.
Se fosse ministra, Janja desfrutaria da legitimidade para participar das discussões do governo e da estrutura que almeja, mas teria que se submeter a alguns ritos e obrigações. Precisaria apresentar um relatório anual com os resultados de sua gestão e atender à convocação de deputados e senadores para prestar esclarecimentos pelos atos de sua pasta.
Também poderia ser responsabilizada por crimes administrativos. Quando fosse criticada por suas palavras e decisões, não poderia alegar que está sendo censurada só por ser mulher. Afinal, é esperado que ministras e ministros prestem contas à opinião pública e à população.
Janja é livre para ter as próprias opiniões e é natural que tenha influência sobre o presidente. Em pelo menos uma ocasião, ela foi uma boa conselheira: foi quando recomendou que ele não decretasse Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em resposta aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. A medida poderia ter dado a justificativa jurídica para uma intervenção militar.
Ela diz que quando é criticada por alguma declaração pública, é porque querem que ela seja um “biscuit de porcelana”, que fique muda ao lado do marido. Não é disso que se trata. A questão é o que ela fala e em qual contexto.
Quando ela pede ajuda ao ditador da China para controlar uma rede social no Brasil, a preocupação é com a repercussão que isso pode ter em direitos fundamentais previstos na nossa Constituição. Quando ela xinga um aliado de um presidente estrangeiro em um evento paralelo da reunião do G20, o grupo dos países mais desenvolvidos e emergentes do mundo, o questionamento é sobre qual impacto diplomático isso pode ter.
É exatamente por não terem um cargo oficial, mas ainda assim possuírem um inegável peso simbólico, que maridos e esposas de chefes de governo tradicionalmente adotam uma postura discreta, evitando se envolver em assuntos polêmicos. O que eles e elas dizem pode ser interpretado como um reflexo da opinião e das intenções do governante.
Joachim Sauer, marido de Angela Merkel, a toda-poderosa primeira-ministra da Alemanha de 2005 a 2021, sempre evitou os holofotes do debate público. Químico quântico de profissão, ele agia com a discrição esperada de alguém que estava próximo do poder, mas não possuía um mandato eletivo nem um cargo político no governo.
Primeiras-damas e primeiros-cavalheiros não podem ser demitidos se falarem ou fizerem o que não devem. Ministras e ministros, sim. É difícil imaginar Lula demitindo a própria esposa se ela não estiver se saindo bem como integrante do seu gabinete. Mas ele tem dificuldade de demitir até mesmo ministro envolvido em suspeitas de corrupção, então não faria muita diferença.
Por Diogo Schelp